terça-feira, 8 de maio de 2012

metamorfose

   Traços de todas as formas, lindas linhas desenhadas perfeitamente pelo tempo, cada desenho cada marca tudo ali era parte de uma obra em andamento. mesmo sem terminar era  tão perfeito que eu poderia ficar ali por horas calada, só admirando cada linha, seguindo cada desenho com o olhar e tentando adivinhar de onde é que elas vieram.
   Eu deveria ter uns quatro ou cinco anos quando sentada na cadeira de balanço da vovó lhe perguntava de onde é que viam tantos cabelos brancos e prazeirosamente ela desatava a contar as histórias de sua juventude e da criação da minha mãe e doas meus tios, As vezes ela falava também da sua própria criação de como eram seus pais e como tivera sido na juventude. Mas nunca me respondia de onde é que vinham seus cabelos brancos.
   Certa vez que fomos ao rio, ela já bem velhinha queria descer o barranco pra pescar,eu temi por uma queda  e a pedi que não fosse. Mas mesmo assim ela foi, desceu, pescou e voltou com um pial nas mãos. Ela me mostrou o peixe e em seguida me colocou no colo.Outra história incrivelmente roteirizada por sua memoria ja cansada e lindamente narrada por sua voz fraquinha. Ela ergueu a anágua da saia e me mostrou uma cicatriz, Antes mesmo que eu perguntasse o que tinha feito aquela marca ela me disse que antes de eu nascer ela ja tinha caído bastante naquele lugar, me deu dois tapinhas nas costas e foi olhar os pássaros. No dia seguinte eu não quis descer e ela me perguntou poque, respondi que tinha medo porque ela já havia caído ali, ela soutou uma gargalhada deliciosa de ouvir e disse que cada um precisa levar os seus próprios tombos na vida.Fiquei ali de olhos estatalados pensando que a vovó queria que eu caísse, mas mesmo assim fui.
    Durante dias eu me perguntei porque é que a vovó se divertiu tanto quando me disse aquilo. As ferias ja tinham terminado e eu ja estava em casa, um pouco longe da vovó. Mas aquela inquietação ainda era um problema. Tão agoniada que eu tava pedi pra ligar na casa dela, mas nem assim ela me respondeu, deu outra gargalhada e disse que eu deveria ter as minhas próprias marcas disse que estava apressada pra ir a igreja e desligou.Passado algum tempo eu me esqueci daquilo,depois do episodio do barranco eu não conseguia me lembrar de ter  caído, acho que não cai mesmo depois disso.
  Outras férias vieram e eu novamente na casa da vovó. Pescaria, longos períodos de pedalada, subidas em arvore, passeios a cavalo. como toda criança normal era de se esperar que eu caísse ou me machucasse numa dessas atividades. Bingo, machuquei a perna direita andando a cavalo, fiz um rasgo enorme na perna e corri pra mostrar pra vovó, ela foi fazer curativo e cuidadar da ferida colocando a arnica na minha perna (remédio que ela usava pra tudo).Dai eu lembrei do que ela tinha me dito nas férias passadas e perguntei a ela o que aconteceria comigo agora que eu tinha a minha própria cicatriz. Sorrindo ela me respondeu
-Agora cê já sabe que não se deve andar a cavalo perto de mais das cercas de arame.
    A ferida fechou a cicatriz ficou aqui e a vovó nada de me responder de onde vieram os cabelos brancos dela. Mas hoje eu sei, hoje eu sei que cada fio de cabelo branco e cada linha naquele rosto são pedacinhos da evolução e do amadurecimento da vovó. Sei também que eu não seria o que sou hoje se a vovó não tivesse me deixado cair e aprender com os meus tombos.



 "E se eu fosse o primeiro a voltar. Pra mudar o que eu fiz, Quem então agora eu seria? "
                                                                                        o velho e o moço- Los hemanos.